Resgate histórico sobre Ernest Manheim inspira software

  • 20 de agosto de 2021

A releitura da trajetória do sociólogo inspirou pesquisador brasileiro a desenvolver um software para pesquisas sobre Opinião Pública

Na ocasião do XIII Encontro Nacional de História da Mídia que ocorre de 18 a 20 de agosto, o Doutor em Estudos da Mídia e pesquisador colaborador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Nobre Cavalcante, relembra em artigo com coautoria com a pesquisadora de história da mídia Dra. Stefanie Averbeck-Lietz, a trajetória do sociólogo Ernest Manheim, como forma de atualização dos estudos em Opinião Pública.

Ernest Manheim é considerado o primeiro sociólogo a usar o termo “midiatização” para designar o impacto da tecnologia de impressão e da imprensa de massas na formação da Opinião Pública. “Ernest Manheim, primo mais velho de Karl Mannheim – cânone das compreensões contemporâneas sobre Utopia e Ideologia -, refugiou-se nos EE.UU. e vez de sua trajetória um exílio, sem perder o foco com grandes debates da época, a exemplo, dos estudos em opinião pública. Deixou um legado na obra Die Träger der öffentlichen Meinung, em 1933, e conseguiu sintetizar que as opiniões emergem pelos diferentes vínculos de grupos, quer sejas transcendentais (consensuais), plurais (conflitantes) e qualitativos (autoritários). Isso nos inspirou a criar nosso software para análise de grupos em WhatsApp”.

Com a releitura da trajetória de Manheim através do artigo escrito com a Doutora alemã Stefanie Averbeck-Lietz, Fernando conta que encontrou deixas teóricas para a construção de funcionalidades técnicas que permitissem pesquisar a opinião pública. Dessa forma surgiu o software Qualichat, uma ferramenta computacional desenvolvida por ele, e que possibilita a pesquisadores de todo o mundo realizar análises de conversas em grupos do aplicativo Whatsapp, de forma gratuita.

O pacote computacional permite detectar a opinião pública por meio da obtenção de dados como notícias e temas compartilhados nos grupos estudados, pessoas envolvidas, símbolos comumente utilizados e especificidades temporais da linguagem.

O pesquisador defende que as funcionalidades do software são úteis no atual contexto de circulação de desinformação sobre a pandemia, no Brasil. “Dados da Fiocruz revelam que 10,5% das notícias falsas sobre Covid-19 foram publicadas no Instagram, 15,8% no Facebook e 73,7% circuladas pelo WhatsApp. Nesse contexto, o Qualichat é uma ferramenta importante no combate à desinformação”, avalia Fernando.

Qualichat no atual contexto alemão

Na Alemanha, assim como no Brasil, o WhatsApp também é usado como veículo de disseminação de fake News e discursos de ódio. Em setembro de 2020, o país foi surpreendido com a suspenção de 29 policiais suspeitos pelo compartilhamento de conteúdos de propaganda nazista em pelo menos 5 grupos do Whatsapp. Entre os conteúdos repassados estavam suásticas, fotos de Adolf Hitler e montagens fotográficas de refugiados em câmaras de gás nos campos de concentração nazista.

Dos 29 suspeitos, 19 foram dispensados de suas funções por procuradores da Alemanha, segundo informações da agência de notícias britânica Reuters. Essas investigações se dão em um contexto de ascenção do discurso de extrema de direita em um país ainda marcado pelas cicatrizes da Segunda Guerra Mundial.

“Os monopólios de plataforma de mídia detêm os conteúdos compartilhados pelos usuários e criam suas próprias políticas de responsabilidade, figuram às margens das leis de proteção de dados, não explicando de forma clara, como processam, tratam e usam seus próprios sistemas de vigilância. Por mais que a lei europeia (GDPR) e as políticas de proteção de dados alemãs sejam uma das mais rigorosas do mundo, muitas empresas encontram brechas para “automatizar” um serviço de combate à desinformação e temáticas sensíveis, criando um outro problema: discriminação e desigualdades éticas. Qualichat democratiza para acadêmicas e acadêmicos de todo mundo códigos que auxiliam no encontro de relevâncias para pesquisas qualitativas, especialmente no combate à desinformação”, complementa Dr. Nobre Cavalcante.

Ernest Manheim e a disponibilidade da ferramenta

O Qualichat é disponibilizado pelo Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública, instituição fundada por Fernando Nobre e batizada com o nome do sociólogo. O pacote computacional pode ser baixado por meio da linguagem python, para a utilização de qualquer pessoa. O pesquisador pontua que segue estudando para aperfeiçoar a ferramenta, e que o próximo passo será lançar uma funcionalidade que permitirá a detecção de robôs no Whatsapp. O software não coleta ou armazena dados, conforme exigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a General Regulation of Data Protection (GDPR).

O software é desenvolvido por pesquisadores ligados ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O projeto também é resultado de debate com o Laboratório de História da Comunicação e Mudanças da Mídia da Universidade de Bremen, na Alemanha, e recebeu investimentos da Associação de Ciências Políticas dos Estados Unidos para os custos do desenvolvimento.

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